sábado, 11 de junho de 2016
aqui debaixo, os olhos sempre pingam. são puro fel, pura verdade, estão sempre limpos, sem ciscos. sem mistério.
aqui, entre o começo e o fim, tudo está sempre seco. é assim mesmo, sempre desnudado, à flor de tudo. como uma mão desluvada no inverno -- dura, aflita, translúcida.
aqui, depois que os sonhos implodiram, fica só a sensação do pó, da fumaça. fica este ar que nem se respira, nem falta. é como viver, e sempre tinha sido.
como é a praia antes de chegarmos? as ondas já batiam, se enrolavam, espumavam, e iam. assim nós as esperamos, mas elas nunca vinham por nós, ou porque as aguardávamos. também não se importavam se estaríamos lá. contudo, era fatal o nosso encontro. nós íamos e elas nos ofereciam as conchas. você se lembra quando catamos as conchas?
na Mãe dos Homens, sempre olho os prédios e às vezes vejo Vênus e também a Lua. as sacadas às vezes piscam, às vezes dependuram a bandeira nacional. assim passou também do calor ao frio, como uma presidente, que germina e morre.
seu rosto tem esse brilho, que às vezes escurece. e junto com ele, todo o resto. é completamente impessoal, e ao mesmo tempo, nada neste mundo tem outra origem que não seja você. o que é que faz o vento soprar as ondas? em Salvador, eu lembro, das pedras.
aqui é assim. os pombos sempre ciscam no asfalto quando espero o ônibus passar. escolhem com cuidado, mas parecem comer o próprio chão. já não têm tanto medo de gente, e quando voam, voam. vão para cima de um prédio, olham, e descem de novo. só comem e voam, até que morrem. às vezes vejo seu esqueleto cheio de formigas, como uma folha seca da figueira sagrada, de onde o verde escorreu-se todo, deixando só a teia branca das suas veias.
mais abaixo, sempre esta queimação na barriga. não importa o que se faça ou que se coma, sempre este ardor. teria sempre estado aqui também, ou seria a primeira novidade? queria nunca fazer você chorar.
mesmo uma única estrela é miséria. às vezes lembro de um rosto largo e redondo, onde cabia um sorriso enorme. é às segundas e quartas, quando atravesso labirintos brancos de luz, entre escadas rolantes e os símbolos da certeza.
você lembra do mel das abelhas? nem sei se já alguma vez o comemos... às vezes parece que Isadora está vivendo um sonho bucólico, mas acho que não... teria meu pai sonhado com isso também?
ele disse: cuidado, felicidade não existe.
para aquela adolescente, que seria este instante, se não a morte? ela queria saber: Deus existe? não se perguntou mais nada, não via o limite, a linha que embrulhava sua dúvida, nem neste embrulho, o seu reflexo.
quando rego as plantas, elas crescem. é simples, como verbos modais. mas também é bruto. seu inverso se apresenta claro e nu, limpo de todas as coisas. é exatamente como o relógio, para frente, para trás, sempre devido ao desejo...