domingo, 9 de outubro de 2016
eu me lembro
dos casulos vazios das cigarras no pátio
depois da mureta azulejada, na casca da árvore
da cor da sirene presa no topo do pilar azul
e o barulho dos carros na rua
como um chocalho, como um mero efeito de som
de não saber te explicar nada, de nunca tê-lo feito
dos buracos que ficaram nas paredes
os parafusos calados, cheios de um profundo tédio
como se fosse agora, me lembro
de tudo que se considerou bonito
e como parecia já não ter mais forma alguma
de quando nasci, devagar e de repente,
chorei tanto, lembro-me do teu colo
também um abraço confuso, onde não se sabia bem o propósito
da audácia, do relaxamento, lembro-me de escrever de olhos fechados
de prender o ar e privar com sons esses medos
o pavor imenso de estar do seu lado
e como você puxava alguém para tão perto
como dividíamos a mesma miséria, sem rédea
e o caderno sempre ao lado como um cachorro
e aquela música que você ouvia com fome e com raiva
como uma fascinação sutil, como uma fumaça,
que se engancha desde os fios mais finos do fundo do estômago
e nos traz pra cima, feito uma ânsia de vômito
me lembro da explosão debaixo das árvores
e de como era frio no meio da rua, como era cinza e branco
quando atravessávamos as pontes e nos beijávamos
e corríamos dentro do grito de um medo eufórico, desejoso
lembro-me dos tapetes coloridos e suas peles de algodão
do cheiro familiar do quarto, ali mesmo onde me deitava
de nunca ter podido dizer nada, e ainda assim,
ter morrido de uma profunda nostalgia.