quinta, 22 de março de 2018

Já viveste desgraças e pestes, e sabe por isso ver nas palavras crédulas dos Homens as adolescências que em ti já morreram. Mesmo assim, não te enganes com a doçura de crer, num engano, que terias deixado de ser inocente, e que poderias agora olhá-los com dó, e dizê-los que não sabem como é este mundo. Guarda em ti uma certeza somente: a de que mesmo o mais tolo dos seres tem em si raízes e pétalas, memórias e cores, que te são tão estranhas como a mais estrangeira das naus, dentro da qual há coisas que nem tua imensa alma de poeta pode imaginar. Se não a guardares, te afundará numa seca verdade, privada e familiar, que jamais poderá oferecer aos teus encontros e amores, e que te servirá talvez como espada ou escudo, mas nunca como os olhos cheios de água que ainda carregas com uma coragem cálida e desconhecida. Leve somente uma candura infantil e primitiva, que te tem pertencido desde antes de todos os deuses e profetas. Não a cubra de palavras ou sensos morais: banhe-se nela e entregue-a ao mundo. Tendo A conhecido, logo A reconhecerá do tempo das eras, e Ela lhe será natural, no meio de todos, ou no meio do nada.