sábado, 28 de julho de 2018
Sou eu. A onça marrom à espreita na paragem, estou sempre aqui, passo como um marimbondo, assim, algoz e guarda-costas. Estou aqui, a mim comparado narciso é um monge -- digo sem certezas, escapo sempre pelos olhos, sou eu, os muros entre as gentes, todas as línguas e coisas criadas, também, a vontade e a coragem, como se um meteoro estivesse a caminho, eu, a voz no teu ouvido dizendo para fazer justamente isso, assim, como um barulho de estouro do nada, te visito no fim dos finais, quando as unhas cresceram e você escala a parede do poço, eu, não o escuro ou a solidão: o triunfo, assim, como discos voadores, como samba, como luzes no céu, fogueiras dando certo na areia fria, eu, escorrendo dos morros, assim, olhando entre os arbustos, caindo pela janela do carro. Nos bares as pessoas de pé fumam e conversam. As cores que você não viu, sempre de soslaio, alguém que sente alegria demais e também se deprime. Na surdina, vejo sempre, raios silenciosos, sem trovão, sem alarde. Aqui, adiando o clímax de novo, só para que seja maior: um raio de cem bilhões de quilômetros, que nunca soube se fazer entender, a parábola inteira, que longe das cidades conhece uma abóbada celeste perfeitamente redonda, eu, que levanto troncos e vejo formigas, incontáveis em pânico, fugindo do incêndio, eu, olhando Marte seguir a Lua no zênite, eu, que finalmente me recolho e mergulho, sem medo de quem, quem, me diga porque, não sei mais um nome a temer, eu, tua obsessão com a sua imagem, seu cabelo sua pele suas mãos que mudaram, me olhe e me perca, que enxergo, as vistas tortas fazendo os olhos de gato na estrada parecerem velas de procissão sumindo no longe, me escolha, nos mercados de gente me veja na prateleira. Me lembro, da foto que meu pai havia mandado: flores de São João a se encherem as vistas, tais cores, eu vou vendo passando e não há, quadro nenhum em tela nenhuma, real ou elétrica, que diga, a fruição e a delícia de estar viva de novo, sou eu, risada e glória passada, aqui, me lembro das araucárias sozinhas no céu, sou eu, aqui aquecendo as minhas mãos de novo e com sede, sou eu, nenhuma certeza, muito pouco a dizer, e a vontade num pulso de vida tremendo, tremendo, me lembro das minhas mãos perdendo de novo, sabendo, que coisa mesmo sagrada é perder...