domingo, 10 de fevereiro de 2019

De noite a pele se azula e tudo se amontoa numa esfera sonolenta, como uma fumaça de cores sempre frias, mas que nunca se precisam, e cada tipo de dor, e também toda paranoia e coisa comum como essa, vai misturando-se conforme dormem todas as coisas e a noite dobra-se devagar sobre minha cabeça, o tempo alarga-se e as paredes somem, de noite é como uma floresta, e lá fora um campo, uma praia, minhas mãos são como garras pendendo pra fora dos galhos, segurando, com cautela mas também firmes por sua natureza mesmo, de ter alguma segurança nas coisas, de ter alguma necessidade de vida e de encontrar-se com o caos para pelo menos sabê-lo. Quando, de todos os lados a hostilidade se esquece no incógnito, no escuro alto mistério, estou de posse de toda a capacidade que existe, nesse instante me parece afinal, que não era do amor como tinham dele falado que sentia falta. Pois as noites sempre assim estavam, se não com esse brilho tal como o de um rio do Norte, que mistura o verde e o azul igual penas de pássaros, então com um brilho mais amarelado, que vai a amornar as luzes, dando a elas algo de quente, de calor, igual ao fogo quando derrama no papel como se fosse feito para ele, também esse brilho turquesa, deita nos meus olhos nessa noite. São duas coisas bem distintas. É difícil chegar nessa hora, a de ver a chama de uma vela caindo no papel, ver que, mesmo sem que as palavras perturbem a visão, uma coisa é ver e logo converter em observação ou em surpresa, em cima de uma escrivaninha, a chama de uma vela só queima e apaga, mas contra o papel parece esquentar meus próprios olhos, parece esquentá-los, e é como se eles mesmos ficassem amarelos por dentro e por fora. São duas coisas bem distintas. Estão assim. Essa luz turquesa, deixo e amorno, vejo… Gosto dela quando está calma… e na esfera do escuro, é ela quem recorta um rosto, apoiado na própria mão, exausto e inquieto, imerso em sonhos, não posso evitar olhar e achar lindo, as pintas e as cores, as linhas, e com isso ainda, uma disposição a ser verdadeiramente aquele rosto somente… ou as costas, quando o rosto algo murmura e se vira, dormindo as costas agitadas enchem e esvaziam. Há dores e pensamentos, tantos, vejo e ouço passando, gerando no corpo conforme passam, suspiros e outros barulhos que faz, como se fosse um aerofone de sua psique, sensível o corpo transmite, tal como o meu, que suspenso naquelas mãos, que ladeiam o corpo em ângulos tortos, e onde a luz turquesa também desliza, meu corpo é como uma flauta soltando gemidos, e eu queria ser algo como uma esponja disto tudo mas é o ar quando passa, carregando tudo que franze o rosto que vejo, é nele que não posso escolher o que trará, pois trouxe, trouxe ânsias e oásis, camas de pano e luvas de linho, trouxe, livros sobre a Patagônia sobre, os tesouros do senhor de Sipán! Sobre ouro pré-colombiano… Nós nos refrescamos e também nos cobrimos… Sobre essas mãos, contra esses dedos, a luz não me revela nenhum segredo. Olho ao meu redor e tudo está ocorrendo naturalmente. As madrugadas são precisamente assim. É como pensar que a onça descansa durante o dia para caçar à noite.