terça, 19 de fevereiro de 2019
casebre bom é feito disso
tempo escasso
todos os lados
ao escrever as minhas roupas
dão calor excessivo
mesmo que tire insiste que vista
mesmo que ponha há quem insista
que troque e mesmo que troque
há quem
insista que insista
algo no peito isola e comanda
vem de baixo
e ali
de todos os lados
as letras do lado de fora são duras
são pedras com as quais só se fazem
muros e treliças
não portais
nem estilingues
ou catapultas
só represas
torres de tiro…
olho para cima sorvendo
as gotas despencam sobre tudo e mesmo assim
minha pele é um pararraios no escuro
espero e ouço nas horas
o barulho dos gatos por cima dos muros
as voltas da história e as batidas no peito
as flores de Angola aparecendo caladas
nos leds, nas folhas dos livros
num mapa Isla Grande de Tierra del Fuego e também
alguém querendo que me abaixe,
que corte os cabelos, que me cale, que entregue…
é um herege
xingando no escuro
inseguro
desgovernado o corpo violento se exime
brandindo bandeiras
quantas vezes nessa cara o mesmo tapa
exigindo
e vindo
do mesmo lado do muro,
atesta inocências
quer que carregue culpa
vai dançando
a sua dança de cristo
querendo que eu sinta suas chamas sem luz
não quero
teu drama
é meu cotidiano tinto
tua ficção
na minha janela desperta
teu reclame
é a minha moleira que nunca se fecha
arredia
fraca e roliça massa de pizza
se abre redonda até a borda
quebradiça
você não acha poética
a calabresa
lenta dobrando crocante pra dentro
não está vendo
no forno o preto, o amarelo
tremendo e morrendo
mas espera
nos sons do poema de novo a careta
incerta
olha e me empresta,
tua mente completa
deserta,
na qual imprime,
e repete
como alguém que espera no ponto
sempre corriqueiro um crime hediondo
comendo do mesmo pão e bebendo
da mesma água me empreste
tuas mãos teus olhos e ouvidos
me perceba e me beba afinal
sou eu que engole com os olhos
a luz laranja no poste da travessa
tingindo nos fios os picotes de sacola
são rabiolas
presas pra sempre só servem mesmo
de alimento pros olhos e de placas aos pássaros
sim, sou eu,
olhando, esperando,
no silêncio uma vida de novo
querendo aprender a ser tola pedindo
que me ensine a ter cada vez mais carinho pois sinto,
preciso,
não tornar-me em algo bom ou mesmo limpo
mas poder dar contornos de cuidado
fazer
com a palha um pequeno e caótico ninho
escolha-me
na palheta de sombras, nas gavetas redondas,
no cemitério de pontas, me ache
no cinzeiro, no fundo, da caixa de costelas,
nos buracos dos rios,
nas buchas faltando por entre os parafusos me escolha
à espreita, ali, sempre à paisana
me ache e me leve
enerve
me imprima e depois me recarregue
toma tua lança, tua máscara de guerra
quebre a catraca, inverta a cancela
reverta a rosa preta de volta ao botão
enterre-a com sonhos e promessas no chão
não mais um cético um cínico, não faz assim
fazendo poesias como um fantasma não
envigora-me com teus erros
seja
imperfeita, voraz
joga-me
brinca imatura, enverga, recua
na tela pintando as cores da rua
é assim que vai me ensinando
a não ter medo das letras,
das crias, das rugas, dos fluidos
e ter
até hoje lágrimas de não
orgulhar-me de ter crescido, é isso
teus sons na madrugada é que o dizem
todas as coisas já estão feitas
insisto
não preciso dizer nada, deixar cair
nem um único cílio
já está
tudo perfeitamente escrito
e dito
desde sempre
ainda que possa
dizer e dizer, sem limite, sem grosso, sem fino
já está
tudo perfeitamente escrito
e dito