30 dias inteira

sexta, 27 de maio de 2022

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dentro da pasta
palavras guardadas
teriam
dia
gnose
são
ideias que já
chegam passadas
como
uvas enrugadas
o poema
e a estátua
não tenho tempo
ou dinheiro
para pagar médicos
patéticos
é completamente
patético
dar dinheiro a médicos
como pode
tornar em indústria
o cuidado do corpo
é indigno
de pena
digno
de derramar ainda mais lágrimas
só dá pra
chorar
por saber que é caro ter vida
é caro ter onde
pisar
dormir a vigília
é caro
caríssimo
sentar pra ouvir
um professor abusivo
é caro
e está ficando
cada vez mais caro
ao contrário
cacs pululam
pela artéria rondon
onde passam também
transfobias gringas
chegam
ciberneticamente
injetada
corroi até o íntimo
refaz
percepções
transforma
corpos dissidentes
em conteúdo
em recurso
em assim-chamados
engajamentos
atentos
os corpos não eram
desde o começo não eram
passivos
se não talvez por desejo mas
jamais
inativos
intentos
estão olhando e codando de volta
retorno
olho o olho
no espelho está roxo
beijos por cima
dos vasos quebrados
doem
doem memórias do quanto não podem
as pontes entre as tantas maneiras
não há uma só vida
não há uma única linha
a história
era desde a sua primeira glória
feito rizoma
para além da rodovia
das estradas abertas ladeadas de cana
havia
desde muito antes desse antes
raízes para todos os lados
água descendo e subindo
um corpo muito
muito bem hidratado

cada memória
vive em mim
cada memória
retorna para sempre
em mim
cada memória
se rememora
daqui
para frente e para trás

eu respiro memórias
e expiro esquecimento
é um deságue
morrer de novo
por dentro
estou para fora
sou a desordem ouvindo
que não é essa a hora
estou poesia
porque para ser emprego para ser turbina
querem laudos e papeis com tintas medicinas psiquiatrias essas rimas
assim
chatíssimas

fui
fogo
fui fumaça
na serra descendo
na catarata
esse ritmo
não quer dizer nada
imperfeita flor que cresce no mato
não precisa ser aguada

não era
desde o começo
sobre seu próprio nome
já estava escrito
em tudo
manter viva
manter-se viva
manter viva a memória
de que não éramos menos
nem tínhamos limite
não éramos instrumento
nem objeto nem barreira
sem fronteira
sem
nada a ser perdoado
eu me lembro
e me esqueço
dores eu choro
e alegrias escrevo

me lembro eu
me esqueço
não me carrego
me deixo
é muito doído
lembrar o tempo inteiro
ouvi até que
não era para falar nada
se fosse ser diagnosticada
é para chorar ou dar risada
da linha riscada
puro incêndio pura fumaça
ciência importada
jovem e ingênua
sabe de nada
seu marco inicial
uma poeira soprada

fui
caminhando
abrindo espaço
um canto
enchi de papeis
de grafite e borracha fiz
presilhas metálicas seguravam o maço
fiz
cachoeiras despencarem do que era só um pedaço fiz
incontáveis erros raros acertos
fiz
sublimar dores e riscos em risos descontrolados mas
quando foi que estive sozinha?
se suas palavras
sim suas
estavam todo o tempo chegando pela linha
essa mesma
dependurada entre nós
pelos lados de cada via
pelo poste
passaram os bytes carregando tudo que você dizia
obrigada
pelas suas palavras eu estou
até agora e para sempre
dada à sintonia
reescrita
escrita de forma,
leitura cursiva