água furtada

segunda, 7 de janeiro de 2019

minhas pernas, suas fibras e cordas, apertadas na almofada preta. Seus riscos, suas duras costuras na minha pele queimada; afundam-se contra meu corpo; meu peso, debaixo da janela, entre os vidros o vento vem adentrar na camiseta, feito um balão branco e gelado, meu corpo, no frescor por dentro do algodão se esquecendo, da tela dos vesgos fios de luz chegando por minha íris meu corpo no frio -- seus nervos ligados, meus dedos às vezes duros e difíceis, não sabem falar; minha língua, como um nó entre as patas da vaca; o filme à frente desliza, no tapete duas varetas esfumaçam-se assim é que em verdade há uma clareza que carece ser desconhecida. algo que se precisa interessar ou se perde com facilidade, assim, a atenção é onde se aloja tudo, e num movimento sempre passageiro são as palavras mais duras nas quais vou me deter; a luz na tela dança sozinha, seus sons articulados com cuidado, encadeiam, como uma pedra de gelo deslizando devagar -- como acordar, viver, tomar a vida por si ou; adiar alguma coisa que não se admite; como se a dignidade ofertada, para a qual se precisa verter o corpo inteiro em outra coisa, fosse ela própria não o encontro e a expiação com a morte mas a própria morte já antecipada, ali assim, dizendo, que não há coisa nenhuma que importe além deste consenso; e ter então suas mãos e seus cabelos, e ter suas pernas e seu sexo, e tê-los não para alguma coisa que seja outra, ou para o mundo das conversas humanas, seu descuido; porque você nasceu para ter sua sensibilidade agredida e para entreter e beneficiar os demais, e você será sacrificado. é porque seus pulmões se enchem tão devagar e suas mãos parecem sempre tão leves e quentes. o que chamei frio é só contraste com um calor autônomo, extraordinário, vibrando na paisagem gélida, a terra desolada à sorte do sol. você procurou nisto um sentido ordenado... foi assim que você foi escorrendo, sumindo, você como um líquido, foi sendo bebido, não pôde evitar que entendessem; você agora de pé frente a frente consigo se pergunta e agora? alguém se levanta do tapete, a tela parada me envigora e estico minhas pernas, onde perto das canelas as listras do tecido se carimbam no meu corpo, e assim é que de repente sentindo a ardência de tê-lo esquecido é que me tomo conta, me estico, e a dor repuxa por tudo até que me levanto e penso, no silêncio com que se move uma anta ou uma capivara, mas assim também, lentamente se desfazem. São... sim... os seus olhos no espelho. Por que a pergunta? De repente você deseja que o mundo faça sentido, quer as ideias encadeadas. Mas é assim mesmo que o espelho se volta; impreciso, agramático, um cílio solto que ninguém percebeu cair, carne de coelho, café forte demais, os dias feito uma esteira esquecida ligada, onde o cachorro tenta brincar sem sucesso. A máquina de colorir pixels não respira. Suas projeções estão determinadas de acordo com a série de fotografias que estão dentro de seu código dantesco. Em verdade está morta. Esta máquina é um ente bizarro, frio, com que me sento e no qual toco. É como um ciclope com seu único olho, sobre a boca por onde cospe-me tudo. Que você dirá das plantas, e dos gatos que passaram? E nos quais se precisou deixar alguma marca de cuidado, e para os quais se precisou ter alguma medida de amor, e talvez tenham sido os únicos que se conseguiu entender, assim, sem muito medo do que dissessem, já que sempre estiveram calados e pacientes, bebendo a água que lhes ofereceram, e morrendo calados quando não? Você teria pensado, que por um instante em sua vida estava só, e depois, que isto sempre teria sido um engano. Que todos precisavam crer-se felizes e bem sucedidos, com senso de valor pessoal, de boas decisões, como você também, e que para isso precisavam crer na infelicidade e na inferioridade daqueles ao redor... Na janela o dia ainda é branco. Mesmo o sol sendo peculiar, mesmo as árvores e os macacos sendo outros, mesmo com tudo que se disse, os prédios da capital são brancos, e é justamente este sol que arde nos olhos batendo nesta cor, branca, como agride os olhos neste sol daqui, branca, por todo lado, toda parede, as maiores, desta cor [...] no lustre as canaletas se derretem. tanta gente ao meu redor se pergunta sobre o valor das coisas criadas, assim, uma aflição que vai indagando ao sujeito, se está levando tudo a sério, se está agindo bem, de acordo com a sua maturidade. Pede-se que o pensamento seja ordenado, e é justamente assim que criam seus loucos fascistas, assim os chamam, eles próprios se espantam com as cristas das ondas; se estão crendo, implicitamente, que alguma forma de verdade terá de ser imposta, como posso ir lá oferecer-me também à pira funerária, como alguém que não está de posse das próprias tíbias e ombros, como alguém que não sabe das formas todas que já tomou seu cabelo, ou de como ficam as roupas em si; como posso agir assim, como me pedem, especialmente quando por qualquer motivo me desejam, e numa coisa me refazem, e nisto se eludem e me eludem como faço, para primeiro não ter vergonha de dar vazão ao gotejo irreparável disto tudo; e depois, para andar com as plantas dos pés, assim, firmes sobre Abya Yala, como se pudessem subir e descer os Andes, apesar da estranheza, do tema universal de sua capitulação, seu tatemae, e mesmo assim, por que o envolve em tantas palavras, e não o liberta, assim, deixando; pelo menos para que sua arte fosse de alguma leveza; mas não -- nesta era não há lugar para a leveza, esta era na qual estamos congelados, e onde riscam-se linhas de números, de anos e dias, neste tempo, corrente, como algo que assiste sempre passando, o olho disforme da janela dispara, na roda de olhos a ciranda vira, seus melhores sorrisos são sempre furtivos, as emoções que importam sempre à paisana; sua vida intensa crescendo, raízes fartas e grossas, chamando animais; ali ao mesmo tempo, fundindo-se no ambiente, ensinando línguas desconhecidas sem grandes complicações.