Carnaval, continuado

domingo, 4 de dezembro de 2022

a crise é do sensível
o vulnerável
foi proibido e hoje
sentir é um desperdício

como os besouros
de pernas no ar eu me pergunto
se é porque o chão é plano demais
se jamais esperava
não ter onde agarrar

impacto
implícito...
sentir tornou-se risível
e os mitos
esconderam-se
na casca de um desejo agressivo
o amor
reprimido
tornou-se transfóbica
capacitista
polícia — desperdício
da sua vontade de vida

para não me encontrar
na sua esquina
para não ter que ouvir
nem falar
me refez
em um espantalho agressivo
sempre algoz
sempre vírus

derrubar
o monolito
pelo menos com esse poder divino: o criativo
imaginar
e não só discutir o que já foi dito

nem anjo
nem demônio
ser humano
tão distante
da sua imaginação zuckerida

20 linhas, um martírio
tentando digerir algoritmos

eterna colônia
bandeira em chamas
na Lua ou em Marte
dias finitos
sonhando independências
que não foram dadas por príncipes

no vento a bandeira parada
não sento, não medito
é de pé que me pergunto
quão raso é meu carinho
e o pulso da Terra ainda bate
na trava
tentando digerir circuitos
ainda que lógicos, cíclicos
onde me repito
presa no tubo de uma fibra de vidro

meus olhos ainda são os mesmos
no dia de hoje ainda estão vivos
confuso discurso onde neurodivirjo
dissido
na letra de um médico
na bula de um livro

quem disse que acabaram os anos de chumbo
era só o inverno
triste plantio
nasceram
rosas de Hiroshima

equilíbrio
dopamínico
passo no crédito
a serotonina

20 linhas jamais caberia
minha vontade de ver estas paredes
autogeridas
como um parto por mãos amigas
20 linhas
bandeira preta
outra nostalgia

ouvi
que falar era um traço alístico
se quiser eu repito

não nasci para ser
o bode dos seus sacrifícios

palavra é poder
fé
inabalada
não precisa de inocências,
não precisa de demônios,
não precisa de nenhuma alma
para ser culpada
eu mesma assumo e sublimo
a história de redenção
já tinha sido contada
respiro
água filtrada
supera
verdade e imaginação
vou rebobinar a fita
para ser devolvida

espera
guarde e remita

eu já fui,
já voltei
os lacres estão abertos
pouco a pouco
estou sarando a ferida