Cisne Negro

terça, 30 de julho de 2013

existe algo de estranho
de punjante
anti-cicatrizante

existe algo queimando
ardendo
algo no pulso
entalando as minhas veias
bloqueando meu curso

consigo sentí-lo
por dentro dos vasos
rasgando seus lados
entupindo minhas teias

meus alvéolos
cheios de sujeira
meu respiro agudo
minha fala rasteira
consigo sentir
a poeira

esta trava em meu ser
permeando, esta cancela
por dentro
por fora, me estaca
a catraca

sorvendo a minha dança
meu âmago mais forte e poderoso
o grito mais alto
minha mais quente caldeira

a minha força ancestral
domada
a minha agência mais inata
subalterna
colonizada

existe algo
me segurando entre o mundo
e de mim enquanto assunto
enquanto meu próprio tópico
minha mesma manchete
meu verbete
meu núcleo
existe algo
interpelado
um grão de areia dentro do relógio
segurando intacta a engrenagem
parada
cerrada

existe algo
aqui
na minha frente
e dentro mim
por fora
e por dentro

existe algo
algo sem nome
que não nomearam
algo me segurando
de mim
na minha frente
e às minhas costas
me segura
de mim
e me mostra
pra mim
me chacoalha
pra que eu veja
às minhas costas

existe algo
aos poucos
matando o que de mim há
de amor

matando o que tenho em mim
por carinho

existe algo aqui
consumindo tudo que tenho
pra gostar em mim

levando de mim a vontade penúltima
de viver como sombra
da minha própria tristeza

existe algo
meu vilão mais fraco
segurando entre mim e meu crânio
minha libertação

eu quero matá-lo
ele, que em parte sou eu
que é o externo
ou seu reverso

eu quero
falhar
quebrar
esmaecer
no fundo
infinito
do abismo
até que não sobre dele
nenhum resquício

existe algo
algo dentro e fora
algo que me separa
entre meu corpo
e minha aura
entre minha carne
e o ar que a embala