Declamação na prateleira preta

quarta, 7 de agosto de 2019

o verbo
contra o verbo
a técnica
contra a técnica
a guerra
contra a terra
a vida contra a vida
é muito pouco ainda
estar do lado certo da história
fazer o justo dizer o correto
muito pouco ainda
pois não é questão de justiça
de dentro
do lado de dentro
do esqueleto na cela
na quarta parede
fechada
há redenção e não justiça
justiça terrível desgraça
a justiça julga a justiça
busquemos justiça mas
é justiça terrível justiça
que justiça, quem justiça

e a quem justiça
mas justiça

invariavelmente justiça
a alguém, quase sempre quem?
justiça sem enganos, justiça.

as manchas de tinta
são lindas
fazendo tons dos mais estranhos, se juntando
a parede
transpira
andam por todo o mundo, em todas as direções,
ratos, cachorros, gatos, baratas, onças, formigas
o dia todo um barulho de água
caindo da laje aqui dentro tudo está seco
mas úmido

– sem janelas –
num silêncio assim
como que numa caixa
admito minha carência de remédios
minha tensão
as dores no corpo
e as premonições
vejo meus olhos são periscópios sou toda
ultravioleta minhas mãos são
feitas para dosar letras meus ouvidos engolem e devolvem
duas roxas canaletas não importa ter escrito senão lembrado
da beleza, tê-la visto, procurado, e descartado a transcendê-la
sou
agora desanuviadamente
uma parede fria que a luz quente acende
se apaga no escuro dorme
enrijece
treme
se estica
como um canto que chega aos tiros
e termina lento