Panos Frios

segunda, 26 de junho de 2017

"Eu estou indo. Você vem?", ele perguntou olhando para mim. O rosto cansado, os olhos incertos. Ele era um desses tipos produtivos, que saem no mundo e fazem as coisas, que sorriem e dizem bom dia, boa tarde e boa noite, que fazem as piadas das quais rimos, que reagem ao chão sujo, ao pó em cima das coisas, que se irritam quando as pessoas não decidem logo onde vão comer, e que erguem tudo isso sobre longos caniços de algodão. Tinha vencido tão recentemente sua adolescência e já lhe parecia que inumeráveis eras tinham se passado desde então. Como eu, era uma relapsa criança do mundo, nascida e criada no pecado.

Levantei pegando as coisas devagar, como que para irritá-lo, mas sem saber. Olhei no seu rosto sem ficar por muito tempo, só para ter o vislumbre da sua pressa. "Ainda tenho que lavar as minhas mãos", disse olhando para a cadeira, mergulhado nas listras verdes que desciam contra o fundo branco, fazendo curvas suaves, me levando embora no amarelo envelhecido. Sem saber também, eu era feita de um amor que desconhecia. "Por que você não vai indo na frente?", perguntei.

"Eu espero", ele respondeu relaxando os olhos, como se fosse justamente o que quisesse ouvir, e dizer. Sua expressão já não estava tão aflita, e agora descansava nos meus ombros, como se visse neles um lugar onde todas as coisas do mundo por um momento dormiam um sono sagrado. Sem perceber, era na minha negligência que encontrava seu único refúgio das horas do dia, do Sol, da força tortuosa da Lua, que jamais se cansava de renascer, da febre que estava sempre queimando dentro dele.

Cheguei finalmente na porta, a chave nas mãos, os olhos nas flores do lado de fora. Estava quente e a máquina de lavar roupas roncava, forçando violenta os seus parafusos velhos. Tinha o cheiro do meu pai, e eu não sentia. Fechei a porta daquela casa minúscula, que de tão pequena não fazia diferença se aberta ou fechada. Era um ninho de fantasmas e dores, e nenhum de nós sabia que morávamos em uma das grutas do inferno. Ele já estava puxando o pesado portão de ferro com aquelas mãos, aquelas... seus cabelos caindo sobre as costas nuas. Era o portal para a rua onde o calor da primavera castigava a cidade, e ele escorreu feito fumaça pela rampa da garagem. Tranquei com dificuldade aquela trava enferrujada e comecei a dar os primeiros passos a caminho do ponto de ônibus. Um silêncio difícil.

"Acho que quero parar de comer tanto açúcar", falei de repente. Ele fez um barulho indistinto, algo como um murmúrio, mas também não exatamente isto. Todo som que fazia era para mim nevoento, novo, não dava para ter na memória, porque nunca fazia sentido. Sempre que falava, não lhe entendia, e ainda assim insistia em meu suplício. Depois disso disse algo mais. Algo que me encorajava, que era até sensível e carinhoso. Que vinha do seu íntimo, repleto de tudo que eu sempre quis ouvir dele. Nada tinha de críptico, porque tinha sido aprendido — mas eu não me lembro muito bem. Me lembro, porém, daquele som que veio antes. Aquele murmúrio vago, que linha nenhuma podia riscar o contorno, feito de um dissabor que já tinha se tornado o couro das nossas peles, um ruído que tinha todas as cores da saudade, e de nenhuma delas eu sabia o nome.

Olhei para o seu rosto mais uma vez. Seus cílios colossais, como galhos de araucária curvando-se para o céu. Por um momento muito breve me perguntei quem estava ali. Quando as coisas iam mal eu lembrava do passado e olhava fotografias. E eu chorava. Não sabia que ele não fazia a mesma coisa. Nem conseguia imaginar que outra coisa fazer. Não sabia naquele tempo que era como olhar fotos de gente morta. E ele? Eis o que nunca soube, nem nunca vou saber, até porque hoje ele já morreu por completo, fundido no passado como um chiclete no asfalto, e não sobrou nada. O que é que ele fazia, no escuro? Viramos a esquina e o ponto de ônibus estava logo ali. Não demorou até aquela nau azul de dezesseis toneladas virar a esquina.

Será que ele se lembra daquela esquina? De onde eles escorriam com seus letreiros luminosos, que de noite brilhavam cheios de esperança no meio do nada, dizendo Penha, Tucuruvi, Armênia, saciando feito um bálsamo nossas ansiedades instantâneas que se espalhavam cobrindo o que estava ali, gritante e invisível, à flor da nossa pele, feito aquela planta de tomilho no nosso jardim? aquela, que crescia para os lados e nós não entendíamos bem para onde, como se fosse uma planta rasteira? mas nós é que não sabíamos que ela queria ser um arbusto... Ele era realmente terrível, pairando desconectado de tudo, feito um balão sem tripulantes. Será que perdi todos aqueles anos da minha vida?

Subimos os degraus puxando pelos apoios, e segurando naquelas barras amarelas, nas alças dependuradas ao nosso redor, um único ponto do mundo com um sem-número de lugares onde se apoiar, para os quais os braços se esticavam sem precisarmos pensar. Foi assim até chegarmos na catraca. Pagamos o preço e sentamos finalmente, lado a lado. Nos encostamos e abraçamos. Deitamos na sensação de termos terminado alguma coisa, olhando através do vidro riscado da janela, onde alguém havia escrito o meu nome. Sentia com as mãos suas unhas comidas, e a sua pele era fria contra a minha tão quente, apesar de estarmos, eu e ele, espiritualmente ausentes. Algo acontece com o amor uma hora, eu acho.

Nossos olhos se fecharam e por um momento nos fazíamos carinho, sem entender muito bem ou ter nada resolvido, sem saber também que os fios só estavam se embaraçando ainda mais, e que os nós estavam se atando pra além de qualquer milagre, que tudo se prendia quanto mais andávamos por cima daquelas teias. Olhei para o seu rosto, que não se importava ou talvez nem percebesse o labirinto no qual tínhamos nos perdido. Ele tinha uma coragem inesgotável, mas ambição nenhuma. Cínico, mas confiante. Seu corpo estava imóvel, apoiado no banco do ônibus. Era um corpo sensível, cheio de marcas e de desejos. Nos entreolhamos de repente, e o silêncio morreu abruptamente: "Eu estou indo. Você vem?"