sábado, 16 de novembro de 2019
Ali olho conforme a lente da câmera filma. É o olho do mundo inteiro de fato, mas também o olho da máquina fria, de toda tecnologia. É assim que ela devolve, no seu vidro imóvel, na máscara rígida. Nela estão inscritas todas as fabricações, de uma nova estética, todo o sintético, todo o plástico e o vidro, ele mesmo, feito e vindo do petróleo e do cristal fino, que são toda outra coisa, são base, chão, vida vertida, feito o filme que me compõe e constitui o entorno vivo, e ainda que rápido ou devagar se cante ou dance, só se ouvirá um timbre, e mesmo que tudo aponte para sua totalidade a lente usa-se somente para celebrar a separação, fazer parecer que é verdadeira divisão; por isso ela também traz em si mesma já a tela, olha e já cospe, em cada uma das quatro linhas escrito o limite, e no limite de cores também está dado o restrito, assim é que as letras são outras que deixam de ter sua função, e a palavra não é mais fruição nem ideia capaz de causar um tilt, o olho na tela se cala e a luz acaba sendo tudo — mesmo que do Sol nenhum farol ainda ganhe, mesmo que o fogo ainda confunda qualquer câmara que abre-se e fecha-se em um milésimo de segundo mas não sabe o que fazer com o fogo, seu contorno descontorno, ou com a folha se a leva o vento, ou com a areia se a molha a água, assim como gramáticos olhando pronomes, viram limite, limítrofe muro fino de prisão, viram significado avesso, nunca refletem um único raio torto ou mesmo tingido, não é nada que se possa apanhar com a mão, dado ou distribuído para a população, é voo revoada, óleo na água, golpe em Chuquiago, assim toda foto torna-se desejo íntimo de ter vivido o não-vivido, toda informação torna-se desejo íntimo de ter sabido o não-sabido, não há mais erótico não há mais poético poetise poetisa poetiso, não há mais sentido, corpo, porque não se sabe mais — do alimento, da água que antes bebia a mesma língua que hoje se mordia mais do que nunca como as beiradas da boca e das bochechas por dentro comendo como se procurando uma saída, ouvindo e vendo, tudo está escrito desde o começo eu já dizia, que havia sido anunciada a verdade ela sabia, ensinava e pregava desde então já a seguia, há dez ou seis mil anos atrás preste atenção está atenta e viva, nua correndo na via, de toda posse todo reboliço, sempre coberta de cinzas ela mesma você sabe e não precisa… esfumada a palavra solta está caótica. Ela pede que parem todos os semáforos e avenidas para ser ouvida e lida, escoa rápido demais, não há o que segure a torrente individida, entra como fogo vermelho queimando a parede e sobe sem ventilação, fumaça preta chamuscando a cidade inteira, não há corretor automático cancela ou corrimão, rolinho ou jato de compressão, que a segure, ela passa por cima deslizando com a prancha ou com a bunda, está perfeitamente louca como veio ao mundo, recusando-se a ser educada ou a ceder até menos que um dízimo da sua mente que opera, opera o caixa opera corrigindo os erros do seu programa ambicioso opera — opera empilhadeiras e servidores, opera, são essas mesmas mãos que teriam dito não serem mais necessárias, pois creram que tinham inventado mentes, inventado nova inteligência, mera supercalculadora supertrabalhadora superamplificadora supercontroladora o dicionário automático sugere sugere sugere mas falta neologismo para uma vida tão breve num mundo nesse ritmo, o oceano está levando e as torres erguem-se e caem-me cantando músicas de amor e daquela vontade antiga e violenta de criar uma multidão capaz de defender-se sem medo ou compromisso, que tivesse reconhecido seus semelhantes e esquecido das promessas e mentiras das quais hoje se depende, dizendo, dizendo, com esta mesma máquina, no mesmo lugar de sempre se escondendo, lá na multidão, na vinte-e-cinco entre aquela e aquela outra, ninguém vê, ninguém pressente ou retorna, assim é que se observa o tempo que de fato corre, e toda poça de amanhã que está presa sob o sol esperando para virar chuva, e cada gota que abraça cada larva de mosquito também, e de todo ódio e doença, e da guerra biológica e técnica contra o terceiro-mundismo, ficam as memórias de ódio e de resistência mas você tinha também que enfrentar esta batalha sozinha, segurar nas mãos de alguém mas também soltá-las se ficassem frias, você ia, era o ônibus e o trem que no chão de lata pisaria, para não ir no teto ou lembrar se pela janela surfaria, era a vontade, o risco e a transmissão, repetindo para lembrar-se, não esquecer-se da missão, de ter vindo, de estar indo, da sua memória, seu próprio sertão, sua falta de água, falta de carga, metal leve ou pesado, no sangue, na caixa, nos venenos do garimpo, era seu único corpo para o qual não se tinha inventado perdão, contenção, linha reta, linha torta, qualquer meio, forma, arreio feito de intenção, pedra dobrada, parede pintada, nuvens de pó, voando na contramão, sujando de novo sua roupa tão carinhosamente urdida, limpa girando numa máquina redonda e calada, tomada ligada, elétrica vassoura de piaçaba, é isso, você não ouvia mas ela falava, segura palavra cantada, coqueiro japeraçaba, a nuvem era multidão, suja voz feminina na contramão, contrafeita contravenção, contrassexo contratempo contraponto contração, contra o arreio contraluta, a tua saúde no limite de um ministro que a ajuste, que se ajuste, injuste império, leviatã, contra a gente, contra o certo, contra o prometido e todo o seu desenvolvimentismo, ao mesmo tempo legalista e ilícito, contra, contra, contracontramão...